26 fevereiro 2014

Lei 15.180 - A Solução Para os Problemas do Bombeiro Civil?

Agora em tempo de Carnaval, muitos bombeiros já sabem, ou ao menos ouviram falar da LEI Nº 15.180, DE 23 DE OUTUBRO DE 2013 (Clique Aqui), que obriga os estabelecimentos civis destinados à formação de bombeiro civil a obter prévia habilitação pelo Corpo de Bombeiros da Polícia Militar do Estado de São Paulo.


A Lei de autoria do Deputado Pedro Tobias (PSDB) e sancionada pelo Governador GERALDO ALCKMIN está aprendendo a engatinhar e sequer saiu das fraldas, sendo assunto de diversos debates dentro e fora do estado de São Paulo. Existem diversas opiniões, teorias e interesses relacionados a esta Lei. O objetivo desta postagem é analisar alguns pontos interessantes sobre teoria e prática, ou seja, no Brasil existe muita coisa bem estruturada teoricamente, porém totalmente inútil na prática.




Lembrando que este texto é minha opinião e não necessariamente pode condizer com a realidade dos acontecimentos futuros. Para isso irei separa-la em duas análises, onde na primeira apresentarei uma visão utópica da Lei, e na segunda apresentarei uma análise mais ajustada a nossa realidade prática.


I. Análise da Teoria:

A Lei vem em um momento muito oportuno, para trazer esclarecimento a um ponto importantíssimo, senão o mais importante até o momento na área do Bombeiro Civil: quem é responsável pela fiscalização das escolas formadoras? Sim, pois após a regulamentação da profissão em 2009 pela Lei 11.901, abriam-se escolas de formação praticamente todo mês pelo Brasil. Eram bombeiros militares, técnicos de segurança do trabalho, supervisores de segurança, bombeiros civis recém formados, entre todo tipo de gente que queria tirar uma lasquinha desse mercado lucrativo. Lógico, na pratica eram dezenas de escola com péssimas condições estruturais; com instrutores sem conhecimentos mínimos de Combate a Incêndio e Primeiros Socorros para ministrar aulas, além de se utilizarem de técnicas desumanas, similares a de grupos paramilitares em seus treinamentos; sem a presença de equipamentos mínimos para realizar treinamentos, inclusive, tem uma escola em São Paulo, no mercado a muitos anos que no lugar de um derivante, utiliza uma versão caseira feita em caixa de madeira, o que me faz pensar: em mais de 10 anos de trabalho, não sobrou uns R$ 150,00 para comprar essa peça de vital importância no treinamento? Isso sem falar em vários treinamentos feitos com fotos e vídeos. Não muito raro encontrar um bombeiro civil que só viu como um extintor funcionava por algum vídeo do Youtube. Mangueira de incêndio então, nunca chegou a acoplar as juntas de união.


Imagem 1: derivante utilizado para formação de 2 linhas de mangueira ou para formação de 1 linha de mangueira mais potente.


A situação já estava desesperadora, ao ponto da Sabesp (companhia de água e esgoto de SP) abrir um boeiro na rua e sair uns 10 bombeiros civis de dentro. Eram centenas de profissionais formados mensalmente, sem saber pranchar adequadamente, ou colocar um colar cervical, gerando diversos problemas que falarei futuramente em outra postagem. No meio da desordem também abria-se espaço para organizações privadas tomarem a frente e buscarem reconhecimento, como é o caso de alguns sindicatos e do próprio CNBC (Conselho Nacional de Bombeiros Civis). Essas instituições buscavam a todo custo conseguir o poder de regulamentação da classe e de fiscalização, não só das escolas, mas das empresas e dos próprios profissionais da área.

Neste ponto a Lei 15.180 torna-se vital, pois estabelece um órgão Estatal reconhecido para a função de fiscalização, livrando todo o Brasil da famigerada dúvida de quem seria essa função, centralizando a responsabilidade para um único local.  Evitando o abuso e interesse de terceiros em obter vantagens sobre este poder. 

Olhando pela perspectiva teórica, temos um órgão governamental; sem fins lucrativos; a princípio, imparcial que irá fiscalizar honestamente todas as escolas de São Paulo, atentando-se ao cumprimento das diretrizes da NBR 14.608 de 2007 para formação de Bombeiros Civis. Abre espaço também para a criação de regulamentações específicas do próprio Corpo de Bombeiros, onde parâmetros estruturais e de treinamento poderão ser estabelecidos, além da correta designação de instrutores.

Daí partiria o incentivo para fiscalização dos próprios BC, pois atualmente não existe nenhum órgão com poder de investigar a conduta dos profissionais, tal como se for o caso, cassar o seu direito de atuar na área.


II. Análise da Prática:

Infelizmente como nem tudo é perfeito e vivemos no Brasil, a terra do jeitinho, é preciso analisar essa Lei e as suas influências sob a ótica da realidade. O Corpo de Bombeiros está atualmente com grande defasagem de pessoal, na verdade em São Paulo temos aproximadamente 43 milhões de habitantes (IBGE), dos quais 11 milhões somente na capital. A ONU (Organização das Nações Unidas) recomenda uma quantidade de 1 bombeiro para cada 1000 habitantes, ou seja, somente na capital de SP, deveríamos ter 11 mil bombeiros militares (43 mil bombeiros no estado inteiro), mas na prática temos apenas cerca de 10 mil bombeiros para cobrir todo o estado de São Paulo, como é possível analisar na imagem abaixo:


Imagem 2: gráfico da quantidade de bombeiros por habitante nas regiões do estado de São Paulo.

Fonte: Clique Aqui

Dentre essas informações, nos deparamos com dados como: "78% das cidades de São Paulo não possuem Corpo de Bombeiros" (Fonte Aqui), ou seja, não existe estrutura física, viaturas e pessoal treinado o suficiente para atender todo o estado. Essa falha é tão grotesca que não é muito difícil encontrar comércios, indústrias, escritórios, dentre outros, sem qualquer tipo de procedimento em segurança contra incêndio e atendimento de emergências. Apenas nas escola públicas, somente 6% possuem alvará do BM (Fonte Aqui), o famoso AVCB (Auto de Vistoria do Corpo de Bombeiros), em relação as empresas, a gigantesca maioria também não possui alvarás e treinamentos.

Isso tudo ainda não é a pior parte do problema, isso comentarei agora. Trabalho com consultoria de segurança contra incêndio e já visitei uma boa quantidade de empresas, além de sempre ao sair de casa, fico atento às condições de segurança dos estabelecimentos (quem é da área de segurança contra incêndio costuma fazer muito essas doideiras). Cansei de encontrar empresas com o AVCB pendurado num quadro na sua parede (alguns recém emitidos), mas essas mesmas empresas não possuíam extintores em nenhum local da planta; nunca fizeram treinamento de brigada de incêndio; pictogramas em posições e alturas irregulares; dentre outras bizarrices contrárias aos critérios das Instruções Técnicas de 2011. Me deparei com diversas empresas "regularizadas" pelo Bombeiro Militar, porém completamente irregulares do ponto de vista do prevencionismo e da segurança contra emergências. Isso se dá ao fato de muito AVCB ser emitido "nas coxas", por profissionais apressadinhos, não se atentando aos detalhes impostos pelas ITs.

É certo dizer, atualmente em São Paulo e no Brasil como um todo, os Corpos de Bombeiros são incapazes de cobrir toda a extensão territorial e populacional, seja para atendimento de emergências, seja para realização de fiscalização e expedição de alvarás, quantas empresas estão com alvarás atrasados por conta da demora em visitar a empresa? O BM não está atendendo o próprio prazo estabelecido.

Tudo isso infere diretamente na fiscalização das escolas formadoras de bombeiros civis, pois o BM não dispõe de pessoal e estrutura para fiscalizar e adequar todas as escolas de São Paulo (são muitas). Diversas escolas continuam funcionando normalmente e de forma irregular, mas a Lei parece não alcança-las, cabendo um questionamento interessante: "essa Lei não deveria ter vindo com os investimentos necessários ao Bombeiro, para este poder cumpri-la?".

Vamos considerar as escolas regularizadas pelo BM e com seus respectivos documentos permitindo a formação de novos profissionais, nos moldes da nova Lei. Não irá demorar muito para algumas anomalias aparecerem. As escolas já possuidoras dessa autorização, não precisarão se preocupar com uma fiscalização constante, até porque muitas são geridas por oficiais do Bombeiro Militar, ou seja, existem aqueles com contatos dentro e fora da Corporação. Breve alunos recém formados sem a mínima capacidade de ministrar aulas, estarão em salas de aula como instrutor. Logo teremos escolas com profissionais legalmente habilitados assinando o certificado, porém quem efetivamente estará dando aula a portas fechadas? Não muito diferente do que sempre foi...


Conclusão:

A Lei 15.180 é um importante passo na área do Bombeiro Civil, mas está longe de ser a solução. Enquanto não houver fiscalização adequada e pessoal técnico devidamente preparado, além de uma nova cultura baseada na honestidade e respeito às regras, encontraremos diversas escolas irregulares formando centenas de bombeiros "meia boca" mensalmente.







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